sexta-feira, 25 de maio de 2018

Homenagem





Dines e a Anatomia do Cala a Boca

No final de março de 2010, Alberto Dines esteve no Memorial da América Latina como palestrante no  Seminário “Liberdade de Expressão/Direito à Informação nas Sociedades Contemporâneas da América Latina”. Participou da mesa em que também estavam os jornalistas José Maria Mayrink e Eugênio Bucci. O seminário, promovido pelo Centro Brasileiro de Estudos da América Latina (CBEAL), braço acadêmico do Memorial, foi coordenado pela professora e jornalista Cremilda Medina (ECA/USP).
Motes para dissecar o tema não faltavam e havia um bem fresquinha que permearia o debate: a censura imposta por um juiz do TJ de Brasília ao jornal O Estado de S. Paulo, em julho de 2009. Coube a Mayrink, que trabalhava lá, fazer a retrospectiva histórica dos períodos de censura vividos pelo centenário jornalão Um “caso emblemático” diria Bucci. Ele arriscou-se a prever que o caso seria “a prova dos nove” para a democracia brasileira. A censura da família Sarney ao Estadão continua em vigor.
Campo de batalha
Em 2010, beirando os 80 e com 58 anos de estrada, Dines já havia percorrido praticamente todos os capítulos da via sacra imposta pelos vários ritos da censura – da perseguição moral e física à prisão. Nesse período, que com fino humor denominou de Anatomia do Cala a Boca, Dines elencou os 10 castigos que recebeu em função de decisões que tomou como editor e do que escreveu como repórter. “Uma demissão a cada 5,8 anos de trabalho, quase duas cacetadas por década”.
Corroborando opinião de Mayrink, o ex-editor do Jornal do Brasil e diretor do Observatório da Imprensa foi direto ao ponto: “O Judiciário está se tornando um dos mais ferrenhos algozes da liberdade de expressão”. E, o que dizia ser uma triste constatação: o exercício do jornalismo livre no início desta segunda década do século XXI tornou-se ainda mais difícil do que em meados do século XX. “O inimigo mudou de endereço, mudou de trajes e multiplicou-se”.
Nesse cenário, que ele comparou a um campo de batalha, é que se trava a guerra escancarada pela conquista dos corações e mentes atordoados pelo excesso de informações secundárias. E foi dali que  Dines pinçou para os participantes do seminário o episódio do embargo que em 2008, segundo ele, foi autoimposto pela grande mídia para não dar destaque ás comemorações dos 200 anos de nascimento da imprensa brasileira.
“Quem fabricou essa mordaça?”. Ele mesmo responde: “Uma rede que funciona nos desvãos da Associação Nacional dos Jornais, constituída pelos editores formados nos cursilhos da Opus-Dei e da Universidade de Navarra”.
Para Dines, resgatar o início de circulação do Correio Braziliense também implicaria falar do seu fundador, Hipólito da Costa, que era maçom e foi preso pela Inquisição portuguesa. “A Inquisição e a censura religiosa não queriam ser lembradas. Significa que não morreram? Significa que mudaram de nome e continuam tão poderosas quanto eram antes”.
   Calejado, sem meias-palavras, o decano presenteou a plateia com um elenco de epítomes que hoje seguramente fazem parte de sua rica biografia. Algumas delas:  
Fazer jornalismo hoje no Brasil e na América Latina está se tornando mais difícil e mais complicado do que no passado recente.
– A palavra censura e o ato de censurar não estão em desuso na América Latina.
– Examinada de longe, esta parte do Novo Mundo em que vivemos parece um território liberado do autoritarismo e o gigante brasileiro aparece como a prova mais eloquente da normalização política.
– A censura tornou-se contagiante, mimetizada.
– O censor fardado foi substituído e multiplicado pelo censor civil, de batina, ou de fatiota de executivo.
– …A imprensa abdicou do papel de instituição mitológica. Deixou de ser o famoso Quarto Poder…
– O toque romântico de buscar a verdade e, quando necessário, seguir na contramão, foi definitivamente aposentado e está sendo substituído pelo “jornalismo de resultados”.
(Daniel Pereira)