Enfim, na gaveta!
Finados é dia em que as pessoas ainda costumam reverenciar a
memória de seus mortos indo ao cemitério. Há as que acendem velas e renovam as flores.
E tem aquelas que jogam conversa fora ao pé da cova como se o defunto pudesse
ouvi-las. Falam da última festinha em que estiveram reunidos e, claro do time
do coração do falecido, enfim, não faltam fofocas porque - na boa? -, ninguém é
de ferro e, afinal, deve ser bem monótona a vida de quem morre. O que estou
querendo dizer, com todo respeito a quem ainda curte esses hábitos e costumes
medievais, é que a dor pela perda de uma pessoa da família ou do nosso círculo
de atividade/amizade não pode ser maior do que a cruel realidade: a gente
nasce, vive (bem ou mal) e morre. O resto é silêncio.
É memória que vira poesia ou lamento. E ainda bem que é
assim, por que o que é a vida se não um rito de passagem para o ponto final dessa
estrada Enquanto não se chega lá, o melhor a fazer é conviver com o que se tem.
E a saudade de quem se foi, ao contrário de ser entendida como dor irrefreável,
tem que ser considerada como bálsamo para mitigar a ausência.
No Finados, é inevitável que as imagens de quem se foi venha
à lembrança. Parentes, amigos ou apenas conhecidos das redes sociais. Na minha
lista de “perdas” há um belo time deles. Queria ter dedicado um epitáfio para
cada um deles, mas nunca me convenci de que estaria dizendo as palavras certas.
Então descobri, cinco anos atrás, quando o visitei no Incor, cá em São Paulo,
que o Pedro Mercadante (1928-2018), nosso professor de latim no ginásio lá em
Assis, poderia ser a fonte da minha curiosidade e ajudar com sugestões
lapidares. Afinal, como me confidenciou, ele vinha percorrendo cemitérios e
anotando as inscrições registradas nos túmulos, inspirado no projeto do norte-americano
Thomas Hall. Ele simplesmente visitou 875 cemitérios e escreveu um livro
chamado Humor na Tumba.
Sou capaz de duvidar, porém, que entre os epitáfios anotados
pelo gringo, ou que tivessem sido coletados pelo Pedro Mercadante, haja um com
a sincera criatividade do considerado Salomão Ésper, com quem tive o privilégio
de trabalhar na Rádio Bandeirantes. Certo dia, contestado por um ouvinte que
criticou a posição dele e do José Paulo de Andrade (1942-2020), por
considerá-la tendenciosa a determinado político, Salomão (que continua firme e
forte entre nós) subiu nas tamancas e, para mostrar sua integridade ética (como
se precisasse!) revelou ao vivo pelo poderoso microfone da Band, o epitáfio que
havia encomendado para a lápide do seu túmulo: Enfim, na gaveta!