segunda-feira, 30 de março de 2015


Seleção Natural


A jabuticaba verde,
Ansiosa para envelhecer,
Perguntou à madura
Por que ninguém a queria.

Não é que não me querem,
Disse a madura, altiva e arrogante.
É que ainda não surgiu uma boca
Digna de minha textura e doçura

Você não tem medo do futuro?
Se demorar muito pode ficar amarga,
Apodrecer e morrer de madura.
Olha quantas amigas já se foram.

Não se preocupe, querida.
Você é verde, tem muito a aprender,
Enquanto eu, desfruto de sabedoria
E sei que minha vez está chegando.

Madura e verde nem perceberam
Quando o corcel branco parou
E da sua sela o príncipe saltou

Contemplou as pequenas notáveis
Como se escolhendo as mais saudáveis
Pareceu-lhe ter ouvido alguém discutindo

Príncipe dos meus sonhos,
Eu sou quem deves apanhar primeiro
Tenho mais fibras, mais vitaminas

Madura mente, meu gentil senhor
Olhe para minha silhueta,
Veja como esbanjo sais minerais.


O príncipe aproximou-se da árvore.
Serviu-se de algumas vizinhas das duas
E recolheu muitas outras ao cesto.

As duas jabuticabas se olharam.
Uma deixava sutil ruga à vista.
Desprezada, caiu de madura.

À outra, o príncipe estendeu a mão,
Aproximou-a dos olhos e disse:
És bonita, mas ainda muito verde.








quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Engodos



Grito teu nome em silêncio,
Não há um mísero eco.
Só o vento me ouve,
Ainda assim...

Nada responde,
É apenas um estúpido cupido,
Que sequer pode convencer-te
A sair dessa esquizofrênica carapuça.

Por isso, rendo-me aos abraços
Da minha fantasia desbotada,
Fecho os olhos e apenas sonho.
Vejo brumas, dou meia-volta no tempo..

Ah! Tudo estava escrito
Nas estrelas daquela noite.
Mas, preso no elogio da cegueira,
Não li o que teus olhos me diziam.

Teu desprezo me consome,
Corrói minhas entranhas,
Devasta, denigre e me humilha.
Sei...são delírios (teus) em forma de loucura

Não podes ou tem medo de enfrentá-los,
Preferes a ambiguidade da dúvida,
Tão frágeis são tuas certezas

E quase nada tuas convicções.

(SP, fev/15)

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Carnavalha

Carnavalha

Quando a orquestra tocar a última canção
E a colombina, de morta se fizer entre confetes,
Congele a cena, dê um close no salão,
E veja como chora o pierrô sem paetês.

Agora mesmo eram dois e uma mesma sombra,
Rodopiando segredos sob máscaras,
Promessas que só o frenesi vislumbra
Antes que o dia amanheça em cinzas.

Lá fora, o ribombar da última bateria
Inflama passistas, levanta a galera.
Não há folião que não sorria.
Ai de mim, quem me dera!

Aqui, preso em velhas mesmices,
Vejo o cortejo, que canta a minha sina,
Resgatando as mesmas tolices
Do pierrô que perdeu a colombina.


(SP, fev 2015)

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Roteiros



 Roteiros

Dia desses vou te encontrar
Numa esquina da vida
Ou no balcão de um boteco qualquer.

Quem sabe numa balada,
Quiçá na procissão dos afogados
Por que não no altar dos desesperados?

Pouco importa onde e quando será.
Creia-me: não há destino nessas crenças,
Nem esperanças desvestidas de amor

Resta manter acesa a chama
Porque, afinal, o fogo da paixão
Quase sempre não passa de ilusão.

(DP, fevereiro 2015)